Capacidade Processual e Postulatória no CPC: Guia Completo para Profissionais do Direito

A atuação em juízo no Direito Processual Civil brasileiro exige a observância de pressupostos processuais essenciais, dentre os quais se destacam a capacidade de ser parte, a capacidade processual e a capacidade postulatória. Embora interligados, estes conceitos possuem naturezas jurídicas distintas e consequências processuais específicas, cujo domínio é fundamental para a prática jurídica eficaz e para a garantia da validade dos atos processuais. Este artigo visa aprofundar a compreensão sobre cada uma dessas capacidades, analisando suas definições legais no Código de Processo Civil (CPC), as interpretações consolidadas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e as exceções legalmente previstas, oferecendo um guia completo para profissionais do Direito que buscam segurança e precisão em sua atuação forense. A distinção clara entre esses institutos é crucial para evitar nulidades e assegurar o regular desenvolvimento do processo.

Capacidade de Ser Parte: O Sujeito da Relação Processual

Capacidade de Ser Parte: O Sujeito da Relação Processual
Capacidade de Ser Parte: O Sujeito da Relação Processual

A capacidade de ser parte, também denominada personalidade judiciária, refere-se à aptidão genérica para figurar nos polos (ativo ou passivo) de uma relação jurídica processual. Este atributo está intrinsecamente ligado à personalidade jurídica, sendo conferido a toda pessoa natural ou jurídica. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro estende essa capacidade a determinados entes despersonalizados, reconhecendo-lhes a possibilidade de demandar e ser demandados em juízo.

A capacidade de ser parte é um pressuposto processual de existência, ou seja, sem ela, a própria relação processual não se constitui validamente. Diferencia-se da capacidade processual, que será abordada a seguir, por não exigir o pleno exercício dos direitos civis. Assim, mesmo um incapaz, como um menor de idade, possui capacidade de ser parte, embora necessite de representação para atuar no processo.

O CPC/2015, em seu artigo 75, elenca diversos entes que, embora desprovidos de personalidade jurídica formal, possuem capacidade de ser parte. Incluem-se nessa lista o espólio, a massa falida, o condomínio edilício, entre outros. A jurisprudência do STJ tem sido fundamental para delimitar o alcance da capacidade de ser parte desses entes, reconhecendo, por exemplo, a legitimidade de associações não registradas para a defesa de interesses de seus associados, desde que comprovada sua existência de fato e organização mínima.

Capacidade Processual: O Exercício dos Atos em Juízo

Capacidade Processual: O Exercício dos Atos em Juízo
Capacidade Processual: O Exercício dos Atos em Juízo

A capacidade processual, ou capacidade de estar em juízo, diz respeito à aptidão para praticar validamente os atos processuais. Conforme o artigo 70 do CPC/2015, a capacidade processual pressupõe que a parte esteja no pleno exercício de seus direitos civis. Pessoas que não possuem essa plenitude, como os incapazes (absoluta ou relativamente), necessitam de representação ou assistência para atuar em juízo.

A representação é exigida para os absolutamente incapazes (menores de 16 anos, por exemplo), sendo exercida por seus pais, tutores ou curadores. Já a assistência é necessária para os relativamente incapazes (pessoas entre 16 e 18 anos, pródigos, etc.), que devem ser assistidos por seus representantes legais. A ausência de representação ou assistência configura um vício sanável, que pode levar à suspensão do processo para regularização. Caso a irregularidade não seja sanada no prazo concedido pelo juiz, o processo poderá ser extinto sem resolução do mérito, se a falha for do autor, ou o réu será considerado revel, se a falha for sua.

Para as pessoas jurídicas, a capacidade processual é exercida por quem seus atos constitutivos designarem ou, na omissão, por seus diretores ou gerentes. A representação da pessoa jurídica estrangeira com filial, agência ou sucursal no Brasil é feita pelo gerente, administrador ou representante de sua unidade no país, presumindo-se sua autorização para receber citação (Artigo 75, X, do CPC/2015). A comprovação da regularidade da representação da pessoa jurídica é essencial para a validade dos atos processuais praticados em seu nome.

Capacidade Postulatória: A Habilitação Técnica do Advogado

Capacidade Postulatória: A Habilitação Técnica do Advogado
Capacidade Postulatória: A Habilitação Técnica do Advogado

A capacidade postulatória, também conhecida como jus postulandi, é a aptidão técnica para postular em juízo, ou seja, para praticar os atos privativos de advogado. No Brasil, o exercício da capacidade postulatória é, em regra, privativo dos advogados regularmente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conforme estabelece o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994).

A ausência de capacidade postulatória acarreta a invalidade dos atos processuais praticados pela parte sem a devida representação técnica. A petição inicial apresentada por pessoa sem capacidade postulatória, por exemplo, é passível de indeferimento liminar. Em grau recursal, a falta de capacidade postulatória também impede o conhecimento do recurso, salvo as exceções legais e a possibilidade de regularização em alguns casos, conforme entendimento sumulado pelo Súmula 115 do STJ.

Existem, contudo, exceções legais à exigência da capacidade postulatória, permitindo que a própria parte atue em juízo sem a representação de advogado em situações específicas.

Exceções à Capacidade Postulatória

As exceções ao jus postulandi visam facilitar o acesso à justiça em determinadas situações, consideradas de menor complexidade ou que envolvem direitos de natureza urgente. As principais exceções previstas no ordenamento jurídico brasileiro incluem:

  • Juizados Especiais Cíveis: Nas causas de competência dos Juizados Especiais Cíveis, cujo valor não exceda 20 salários mínimos, as partes podem comparecer pessoalmente em juízo, sem a necessidade de serem representadas por advogado (Artigo 9º da Lei 9.099/1995). Acima desse valor, até o limite de 40 salários mínimos, a assistência de advogado é obrigatória.
  • Justiça do Trabalho: Na Justiça do Trabalho, empregados e empregadores possuem o jus postulandi, podendo apresentar suas reclamações e defesas pessoalmente, sem a necessidade de advogado, nas Varas do Trabalho e nos Tribunais Regionais do Trabalho (Artigo 791 da CLT). No entanto, essa faculdade encontra limites na atuação perante o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e em ações específicas, como a ação rescisória e o mandado de segurança, conforme entendimento consolidado na Súmula 425 do TST.
  • Habeas Corpus: A Constituição Federal e o Código de Processo Penal (CPP) asseguram a qualquer pessoa o direito de impetrar habeas corpus em seu favor ou de outrem, independentemente da representação por advogado (Artigo 654 do CPP). Esta exceção se justifica pela natureza urgente e pela relevância do direito fundamental à liberdade de locomoção tutelado pelo habeas corpus.

É importante ressaltar que, mesmo nas hipóteses de exceção, a atuação com a assistência de um advogado é, na maioria dos casos, recomendável, dada a complexidade inerente ao processo judicial e a necessidade de conhecimento técnico para a prática adequada dos atos e a defesa efetiva dos interesses da parte.

Distinções Fundamentais e Consequências Processuais

Distinções Fundamentais e Consequências Processuais
Distinções Fundamentais e Consequências Processuais

Compreender a distinção entre capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória é essencial para a correta condução do processo e para evitar vícios que possam comprometer seu desenvolvimento.

  • A capacidade de ser parte é o requisito mais básico, relacionado à própria existência do sujeito na relação processual. Sua ausência impede a formação válida do processo.
  • A capacidade processual refere-se à aptidão para praticar os atos do processo. Sua ausência, se não sanada, pode levar à extinção do processo sem resolução do mérito ou à revelia da parte.
  • A capacidade postulatória é a habilitação técnica para atuar em juízo, privativa do advogado. Sua ausência, em regra, invalida os atos praticados e pode impedir o conhecimento de recursos.

A jurisprudência do STJ tem reiteradamente destacado a importância dessas distinções. Em casos envolvendo entes despersonalizados, por exemplo, a Corte tem diferenciado a capacidade de ser parte (reconhecida a diversos entes) da capacidade processual (que exige representação adequada) e da capacidade postulatória (sempre exercida por advogado, salvo exceções).

Capacidade Processual de Entes Despersonalizados e Pessoas Jurídicas Estrangeiras

Capacidade Processual de Entes Despersonalizados e Pessoas Jurídicas Estrangeiras
Capacidade Processual de Entes Despersonalizados e Pessoas Jurídicas Estrangeiras

A capacidade processual de entes despersonalizados, como espólio, massa falida e condomínio, merece atenção especial. Embora não possuam personalidade jurídica, a lei lhes confere capacidade para atuar em juízo, sendo representados por figuras específicas: o espólio pelo inventariante (Artigo 75, VII, do CPC/2015), a massa falida pelo administrador judicial (Artigo 75, V, do CPC/2015) e o condomínio edilício pelo síndico (Artigo 1.347 do Código Civil). O STJ possui vasta jurisprudência sobre a legitimidade desses entes, delimitando sua atuação em juízo conforme a natureza dos interesses envolvidos (individuais ou coletivos).

No que tange à pessoa jurídica estrangeira, sua capacidade processual no Brasil está condicionada à existência de representação legal e, para fins de fixação de competência, à existência de filial, agência ou sucursal no território nacional (Artigo 75, X, do CPC/2015). A regularidade da representação da pessoa jurídica estrangeira é um ponto crucial, exigindo a comprovação dos poderes do representante conforme a legislação de seu país de origem e os atos constitutivos da entidade.

A Capacidade na Era do Processo Eletrônico

A Capacidade na Era do Processo Eletrônico
A Capacidade na Era do Processo Eletrônico

A digitalização do processo judicial, com a implementação do processo eletrônico (PJe) e a exigência do certificado digital, adicionou uma nova camada de complexidade à discussão sobre capacidade processual e postulatória. Embora a capacidade processual e postulatória sejam requisitos legais, o acesso e a prática de atos no ambiente eletrônico demandam conhecimento técnico e recursos tecnológicos.

Para os advogados, a utilização do certificado digital ICP-Brasil tornou-se obrigatória para a assinatura de petições e documentos eletrônicos, configurando um requisito técnico para o exercício da capacidade postulatória no meio digital. Para as partes que atuam sem advogado nas exceções legais (como nos Juizados Especiais), o acesso ao processo eletrônico pode representar um desafio, exigindo o cumprimento de procedimentos de cadastro e a utilização de ferramentas específicas.

A jurisprudência tem enfrentado questões relacionadas à validade dos atos praticados no processo eletrônico em caso de falhas técnicas ou dificuldades de acesso, buscando equilibrar a eficiência da tramitação digital com a garantia do devido processo legal e do acesso à justiça.

Sobre o Autor

Valter Marcondes B. Leite é Advogado Corporativo com atuação desde 2016, Mentor Empresarial e Professor. É Docente de Direito e Administração na Cogna Educação, ministrando aulas como Direito Cibernético. Possui MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance (com especialização em LGPD) pela Damásio Educacional, Mestrado em Empreendedorismo e Gestão pela UNIFACCAMP e formação em Mediação e Arbitragem. Sua trajetória profissional inclui experiência como Digital Compliance Officer, além de posições em diretoria jurídica e arbitragem. Complementarmente, detém sólida experiência em gerenciamento de projetos e metodologias de qualidade (como ISO 9000 e Seis Sigma). Unindo seu conhecimento jurídico à sua experiência como desenvolvedor, também criou sistemas de informação para acompanhamento de processos jurídicos. Suas especialidades abrangem Direito Empresarial (Societário, Contratos, Falências), Direito Digital (incluindo LGPD), Compliance, Direito Tributário, Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito de Tecnologia da Informação, Propriedade Intelectual, Mediação e Arbitragem, Governança Corporativa, Gestão de Pessoas, Gerenciamento de Projetos e Metodologias de Qualidade (Six Sigma/ISO).

Perguntas Frequentes

Qual a diferença prática entre capacidade processual e postulatória para o advogado?

A capacidade processual refere-se à aptidão da parte para praticar validamente os atos processuais, exigindo o pleno exercício dos direitos civis ou a devida representação/assistência. A capacidade postulatória, por sua vez, é a habilitação técnica para postular em juízo, sendo, em regra, privativa do advogado regularmente inscrito na OAB. Para o advogado, a capacidade processual é um pressuposto da parte que representa, enquanto a capacidade postulatória é sua própria aptidão legal para atuar no processo.

Como a ausência de capacidade processual ou postulatória afeta o andamento do processo?

A ausência de capacidade processual na parte é um vício sanável que pode levar à suspensão do processo para regularização. Caso não seja sanado, pode resultar na extinção do processo sem resolução do mérito (se a falha for do autor) ou na revelia (se a falha for do réu). A ausência de capacidade postulatória no profissional que atua em nome da parte, por outro lado, acarreta a invalidade dos atos praticados e pode impedir o conhecimento de recursos, salvo exceções e possibilidade de regularização em alguns casos.

Em quais situações específicas a lei dispensa a capacidade postulatória?

A lei dispensa a capacidade postulatória em situações específicas para facilitar o acesso à justiça. As principais exceções incluem causas de até 20 salários mínimos nos Juizados Especiais Cíveis, o jus postulandi nas Varas do Trabalho e TRTs (com limites definidos pelo TST) e a impetração de habeas corpus por qualquer pessoa.

Como a representação de entes despersonalizados se distingue da representação de pessoas jurídicas?

A representação de entes despersonalizados (como espólio, massa falida, condomínio) é definida legalmente por figuras específicas (inventariante, administrador judicial, síndico), que lhes conferem capacidade para atuar em juízo apesar de não possuírem personalidade jurídica formal. A representação de pessoas jurídicas, por sua vez, é exercida por quem os atos constitutivos designarem ou, na omissão, por seus diretores/gerentes, e está ligada à própria personalidade jurídica da entidade.

Quais os desafios da capacidade processual na era do processo eletrônico?

A era do processo eletrônico introduziu requisitos técnicos, como o uso obrigatório do certificado digital ICP-Brasil para advogados, que se tornou um requisito prático para o exercício da capacidade postulatória digital. Para partes que atuam sem advogado nas exceções legais, o acesso ao sistema eletrônico e o cumprimento dos procedimentos digitais podem representar desafios, embora a jurisprudência busque conciliar a eficiência digital com o acesso à justiça.

Conclusão

A capacidade de ser parte, a capacidade processual e a capacidade postulatória são institutos distintos, mas complementares, que regem a participação dos sujeitos no processo civil brasileiro. O domínio desses conceitos, suas bases legais no CPC, as interpretações consolidadas pelo STJ e as exceções legalmente previstas é indispensável para a atuação profissional dos profissionais do Direito.

A capacidade de ser parte garante a presença do sujeito no processo; a capacidade processual assegura a validade de seus atos; e a capacidade postulatória confere a habilitação técnica para postular em juízo. As exceções ao jus postulandi, embora importantes para o acesso à justiça, não eliminam a relevância da assistência jurídica qualificada.

Na era do processo eletrônico, novos desafios surgem, exigindo que profissionais do Direito e partes estejam aptos a lidar com os requisitos tecnológicos para o exercício pleno de suas capacidades processuais e postulatórias. A constante atualização sobre a legislação e a jurisprudência, especialmente do STJ, é fundamental para navegar com segurança no complexo universo das capacidades no processo civil.

Referências Normativas e Bibliográficas

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